Numa pequena fazenda
Depois de uma missão
Foi feito um primeiro encontro
Quando chegou o patrão
Dizendo não permitir
Que fizessem reunião.
Um dia saiu um boato
Que o patrão tinha vendido
A referida fazenda
A um médico desconhecido
Sem avisar aos posseiros
Que já tinham preferido.
Do triste acontecimento
A turma foi informada
Todas as benfeitorias
Tinham entrado na enrolada
Suor de quarenta anos
Foi injustamente roubado.
Uma ação de preferência
Na justiça deu entrada
Começaram as agressões
A opressão organizada
Envenenaram animais
E a água foi trancada.
Assim passaram dez meses
De espera e tormento.
Com muita humilhação
Aguardavam o julgamento
mas pra justiça corrupta
Não importa sofrimento.
cerco foi apertando
Pra aquela gente sofrida
Só se falava em despejo
E ameaças de vida
Sem nenhuma garantia
A classe era perseguida.
Depois de muitos encontros
Chegaram a uma conclusão
Trinta famílias iriam
Fazer aquela ocupação
Era a única saída
Pra resolver a questão.
Dia e hora foi marcado
Ficou tudo combinado
Como se ia fazer
E quem seria informado
A divisão de tarefa
Tudo ficou programado.
Mas em toda terça-feira
Tinha muita apreensão
Com ameaças de despejo
Era aquela aflição
Mas Deus sempre protegeu
Nos livrou da humilhação.
Pra desapropriação
governo apressar
Fomos acampar no INCRA
Três dias ficamos lá
Só voltamos com a certeza
Que iam nos apoiar.
Disfarçada de repórter
A UDR foi lá
Verificar o ambiente
Para poder atacar
A turma inexperiente
Nem chegou a desconfiar.
Perto do acampamento
Uma senhora pegaram
Com um revólver na cabeça
Sua boca amordaçaram
Ameaçando matá-la
A roupa e bolsa rasgaram.
Vinte e quatro de outubro
Não podemos esquecer
Quando Sarney (2) viajou
E Paes (3) ficou no poder
A desapropriação
Ele procurou fazer.
Não foi feito o pagamento
dinheiro foi desviado
Foi mais uma decepção
Pra quem já estava cansado
De novo Sarney viaja
E Paes assume o reinado.
Agora o dinheiro sai
Disto nós tínhamos certeza
A ausência de Sarney
Pra nós era uma beleza
Realmente a verba veio
Pra amenizar a dureza.
Foi válida a experiência
E muita gente cresceu
Uma lição pro opressor
A nossa turminha deu
A força da organização
Muita gente percebeu.
Que nossa luta continue
Os companheiros se unir
Desafiando a UDR
Terra livre conseguir
E assim uma nova História
Bem depressa vai surgir.
1 Poema narrativo dentro da tradição do cordel, literatura
popular em versos, típica do Nordeste brasileiro. Originalmente, as histórias
eram muitas vezes notícias narradas em versos, disseminadas pelos cantadores
nas feiras de diversos lugares. Esse poema registra o processo de expropriação
e ocupação como forma de acesso à terra. A Fazenda São
João dos Carneiros é associada a uma grande vitória da
luta pela terra em 1989. O ocorrido foi em Quixadá, no estado nordestino
do Ceará, uma região historicamente associada a grandes conflitos
agrários; ela é, ademais, constantemente assolada por problemas
de seca.
2 Sarney (José Sarney): Presidente do Brasil (1985-1990).
3 Paes (Antônio Paes de Almeida) Presidente da Câmara dos
Deputados que exerceu a Presidência da República, por motivo de
viagem do Presidente da República
4 Irmã Teresa Cristina: uma religiosa ligada à Comissão
Pastoral da Terra (CPT), que teve um papel importante na genealogia do MST.
|