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As Imagens e as Vozes da Despossessão: A Luta pela Terra e a Cultura Emergente do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)

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Português (change language to English)

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Estudos, depoimentos & referências -> Ensaios 9 recursos (Editado por Else R P Vieira. TraduĆ§Ć£o © Thomas Burns.)

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Autor:

SƓnia FƔtima Schwendler

Título:

A construĆ§Ć£o do feminino na luta pela terra e na recriaĆ§Ć£o social do assentamento

Os pobres da terra, durante séculos excluídos, marginalizados e dominados, têm caminhado em silêncio e depressa no chão dessa longa noite de humilhação e proclamam, no gesto da luta, da resistência, da ruptura, da desobediência, sua nova condição, seu caminho sem volta, sua presença maltrapilha, mas digna, na cena da História. (José de Souza Martins)

A minha esposa não era capaz de falar com pessoa estranha. Hoje, sem ter estudo, ela é uma líder, muito desenvolvida com o trabalho da luta. A luta é uma escola.(Depoimento do assentado Daniel Ferreira Chagas, Assentamento São Joaquim)[ii]

Introdução

O presente artigo analisa a importância da participação da mulher na luta pela conquista da terra, destacando a redefinição de seu espaço e de seu papel na sociedade. Situa ainda a construção do feminino na recriação social do espaço conquistado - o assentamento. O ser mulher é compreendido como uma categoria cultural e histórica perpassada pelas relações sociais, ou seja, uma construção social, a partir das relações estabelecidas entre mulheres e homens, dos significados atribuídos ao feminino e ao masculino na família, no trabalho, nas lutas sociais e na dinâmica do assentamento. Na construção das lutas sociais, enfatiza, por um lado, a presença feminina na constituição do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e, por outro, o papel deste movimento social como sujeito educativo na formação da identidade da mulher Sem Terra.

A constituição de um movimento social, como o MST, é compreendida como resultado da combinação de fatores objetivos e subjetivos. Os primeiros dizem respeito à história de desigual distribuição de terras; à modernização da agricultura que concentrou a terra, expropriou e expulsou agricultores da sua terra, reduziu o trabalho assalariado com a introdução de máquinas e insumos modernos agravando as condições de empobrecimento; à construção de hidrelétricas que expulsou camponeses de suas terras sem a devida indenização. Os fatores subjetivos incluem a percepção da exclusão e a compreensão de como ela foi gerada historicamente; a construção de uma identidade coletiva de mulher Sem Terra gerada a partir da percepção comum das necessidades e carências; a consciência coletiva da necessidade de lutar pelos direitos, onde a terra é vista como um direito para quem nela quer trabalhar e precisa dela para viver, o que confere legitimidade à ocupação de terras improdutivas.

A situação de empobrecimento aliada à consciência da produção da miséria e o reconhecimento coletivo de um direito são, portanto, fatores fundamentais na organização de um movimento e da manifestação de sua luta social. Uma luta que questiona e denuncia a distribuição desigual da terra e a falta de vontade política do governo em resolver a questão fundiária, uma luta que força o debate e pressiona pela realização da reforma agrária. Através da luta, os camponeses sem terra se colocam no cenário como sujeitos políticos do processo histórico, como construtores da cidadania no campo, transformando-se enquanto constróem o movimento de luta social e transformam a própria realidade. Neste sentido, o processo de luta pela conquista da terra é compreendido como um espaço fecundo de recriação sócio-cultural onde as práticas cotidianas vividas pelo campesinato são (re)elaboradas em função das condições objetivas e subjetivas que as lutas engendram (Caldart, 1996; Gohn, 1997; Damasceno, 1995). Segundo Caldart,

a experiência de participar da organização MST é educadora dos Sem Terra basicamente pelas relações sociais que produz, e que acabam interferindo pedagogicamente em diversas dimensões do ser humano, e, ao mesmo tempo, problematiza e propõe valores, altera comportamentos, destrói e constrói concepções, costumes, idéias. É desta maneira que vai conformando a identidade Sem Terra (2000: 220).

Ingressar na luta pela terra, reivindicando-a enquanto direito, implica uma reformulação na visão de mundo dos camponeses, bem como no estabelecimento de novas relações em seu cotidiano (Schwade, 1993:77). Por outro lado, os assentamentos - espaços conquistados e recriados socialmente pelas trabalhadoras e pelos trabalhadores rurais Sem Terra, a partir de um processo de luta - propiciam a (re)construção de um espaço social, das relações que perpassam o cotidiano, a partir dos referenciais que cada sujeito traz em sua história de vida e dos referenciais coletivos (re)elaborados na luta pela conquista da terra (Schwendler, 1995).

A participação da mulher no espaço de luta pela conquista da terra

A vivência da ocupação da terra e da organização de um acampamento, formado por trabalhadoras e trabalhadores sem terra com distintas trajetórias de vida e uma história perpassada por diferentes formas de exclusão social, política, econômica e cultural, cria para eles uma identidade, articulando-os em torno de um objetivo comum - a conquista da terra. O acampamento, resultante da ocupação de uma área por um grande número de famílias sem terra, constitui uma estratégia de luta do MST para pressionar a desapropriação de terras improdutivas. Para Caldart, a força educativa da luta "costuma ser proporcional ao grau de ruptura que estabelece com padrões anteriores de existência social destes trabalhadores e destas trabalhadoras da terra, exatamente porque isto exige a elaboração de novas sínteses culturais” (2000: 106).

Na luta pela conquista da terra, a mulher torna-se um agente histórico fundamental, quer seja pelo enfrentamento da situação dada pela ocupação, seja pelas relações que reconstrói com sua presença ativa na luta. A presença feminina como sujeito histórico torna-se fundamental na luta pela terra e a torna possível. Os próprios assentados atestam esta importância:

"Só de homens não sai acampamento” (Teresinha, Assentamento Nova Ramada)[iii].

"E se não fossem as mulheres junto na luta, elas organizadas, junto com o homem, eu acho que não existia o assentamento. É muito importante a mulher na luta. Ela é organizada e ajuda a organizar e acompanha a luta” (Valmir, Assentamento Nova Ramada).

A mulher, mesmo grávida ou com filhos pequenos, ocupa a terra, enfrenta a polícia, participa da discussão, organização e também da manutenção do acampamento, estando nele ou fora dele, visando garantir a sobrevivência. Segundo Lechat, essas mulheres "entraram na política não como seres assexuados, mas enquanto mulheres, mães de família participando de tudo, mesmo estando grávidas e levando consigo os bebês de colo" (1996:123). A mulher, portanto, participa do acampamento reelaborando seu papel na sociedade. Os espaços reservados e os papéis atribuídos ao masculino e ao feminino se redefinem durante o processo de ocupação da terra e de formação do acampamento, pela própria organicidade produzida pela formação de comissões, onde as tarefas são divididas e assumidas por mulheres e homens.

O MST se organiza em comissões para viabilizar a organicidade da própria luta social. Assim se expressa Caldart a esse respeito:

A organização interna de um acampamento começa com a formação dos chamados núcleos de base, constituídos entre dez e trinta famílias e segundo o critério inicial de proximidade, geralmente a partir do município de procedência dos acampados. Através dos núcleos é organizada a divisão das tarefas necessárias para garantir a vida diária do acampamento: alimentação, higiene, saúde, religião, educação, animação, finanças... A través dos núcleos acontecem as discussões e estudos necessários para tomar as decisões sobre os próximos passos da luta. Os responsáveis pelas diversas tarefas compõem as equipes de trabalho, reunindo regularmente para planejar e avaliar suas atividades. Há uma coordenação geral do acampamento cuja responsabilidade principal é dar unidade à atuação de todas as equipes, bem como encaminhar o processo de negociação e de relacionamento com o conjunto da sociedade local e mais ampla. O fórum máximo de tomada das decisões sobe os rumos do acampamento é a assembléia geral das famílias acampadas, geralmente reunida após uma discussão preliminar das questões nos núcleos de base, canal principal de comunicação entre a coordenação e os acampados” (2000:115).

No acampamento, a mulher começa a assumir tarefas não só no espaço privado - lavar, cozinhar, cuidar dos filhos - mas também na vida pública - discutir, organizar, coordenar tarefas e grupos, negociar, cuidar da segurança, enfrentar a polícia. Nessa vivência da luta pela terra, ela amplia seu espaço de participação na sociedade, ocupando espaços reservados historicamente ao homem - a vida pública - onde ela aprende a discutir, participar, expressar suas idéias, tornando-se sujeito de muitas conquistas sociais como o salário-maternidade e a aposentadoria, dentre outras. A luta proporciona também a conquista da posse da terra, o que antes era restrito aos homens, por não ser a mulher reconhecida como trabalhadora rural (Schwendler, 1995).

Dessa forma, a mulher aprende, a partir da vivência em outros espaços, a pensar e viver questões para além do cotidiano e do doméstico, ressignificando seu estar no mundo, sua presença como mulher na história, reaprendendo-se enquanto mulher Sem Terra. A mulher que busca lutar pelo direito à terra, à moradia, à participação, ao seu reconhecimento como trabalhadora da terra e da dignidade de seu gênero, reelabora também o papel de mulheres e homens na sociedade.

A mulher entra na vida pública, mas não abandona, mesmo na luta, o espaço privado, pois ela ainda continua sendo a responsável pela vida do lar, o que leva à manutenção e reprodução das relações familiares já estabelecidas. Apesar de serem mantidas muitas das antigas relações entre homens e mulheres, trazidas da experiência anterior à luta, a vivência de novas relações no espaço da luta deixa suas marcas, ficam na memória enquanto significações e “podem ser mantidas ou recobradas em situações concomitantes ou posteriores” (Melo, 2001:175).

A participação da mulher na dinâmica do assentamento de Reforma Agrária

A divisão tradicional de papéis distintos para mulheres e homens se sustenta numa rígida divisão sexual do trabalho que tem, historicamente, relegado à mulher um papel secundário no trabalho, na vida política, nas lutas sociais, responsabilizando-a pelo trabalho não-visível. O próprio contrato matrimonial tem legitimado o papel da mulher de exercer o trabalho invisível, levando-a a aceitar a obrigação da casa/família em troca de ser mantida pelo marido. Relevantes para nossa discussão são as diferentes preocupações que os pais têm tido historicamente em relação ao filho e à filha, buscando dar ao homem a terra e à mulher o enxoval para a casa. Assim, a menina aprende com a mãe as lidas de casa e os cuidados para com os filhos, não aprendendo a discutir política, negociar, comercializar, discutir a produção, o que é ofício do menino, o qual também não aprende com a mãe as lides da casa e o cuidado com as crianças. Cabe à mulher dar à luz, cuidar dos filhos, manter a família, os trabalhos domésticos e a reprodução da força de trabalho, sendo-lhe destinado o papel de auxiliar no trabalho, como extensão do lar. Analogamente, a mulher camponesa "ajuda" na roça. Na maioria das vezes, não lhe cabe decidir a produção, negociar, comercializar os produtos, discutir os créditos agrícolas - estas são colocadas como tarefas masculinas. No entanto, a presença ativa da mulher nas lutas sociais contribuiu para o questionamento e/ou a ruptura com algumas práticas cotidianas que relegam a ela um papel secundário na sociedade. Contribuiu, ainda, para que a mulher se organizasse para lutar por direitos que lhe foram negados historicamente.

Cumpre agora examinar o papel da mulher nos assentamentos, ou seja, após o período de luta pela conquista da terra e de resistência nos acampamentos. Os Assentamentos de Reforma Agrária em si estabelecem um processo histórico de transição e transformação da velha estrutura agrária brasileira, de reorganização do território, pois se trata do processo de conversão do latifúndio num espaço onde muitas famílias Sem Terra começam a viver e produzir. Eles se constituem em territórios conquistados através de uma trajetória de luta e resistência, da ocupação de terras improdutivas, de rodovias, praças e prédios públicos, enfim, de todo um processo organizativo do MST. Para Fernandes, o assentamento significa também "a busca do recomeço como novos sujeitos … é a possibilidade da recriação das dimensões do espaço social e do próprio movimento … é resultado de um projeto de transformação para a conquista da condição de cidadãos” (Fernandes, 1996: 236). Reproduzo a fala de uma trabalhadora assentada quanto a esse processo de transformação em termos de gênero:

Quando nós começamos a fazer o nosso regimento interno da nossa cooperativa, os homens achavam que as mulheres não deviam ter direitos, nem obrigações. (...) quando começamos a cooperativa, quando começamos a nossa organização foi muito difícil conscientizar as mulheres para sair de casa, para participar (Teresinha, Assentamento Nova Ramada).

Um dado importante é que as mulheres engrossam as fileiras das lutas, mas quando a luta entra na fase de negociação, elas voltam geralmente aos padrões anteriores. Na nova organização do assentamento, também entram em jogo a trajetória de vida das trabalhadoras e trabalhadores assentados antes da organização - seus costumes, suas tradições, suas experiências - bem como o vivido no processo da luta, onde o engajamento político-social dos atores envolvidos se dá de forma diferenciada. Uma explicação se respalda em Paulilo, para quem "o repertório de comportamentos possíveis é formado tanto pelas idéias novas como pela experiência antiga" (1994:197-80). Com o processo de luta que vivenciaram, estes dois atores sociais modificam a sua trajetória e a si próprios. Contudo, esta mudança não implica na negação de seu passado, de sua história, mas sua superação (Schwendler, 1995).

No texto “A revolução dentro da revolução”, James Petras analisa o recolhimento das mulheres no período pós-revolucionário, após uma intensa participação no processo das lutas sociais. Para o autor, cada etapa da luta se constitui numa escola para a etapa seguinte. Neste sentido, se a mulher ocupar um lugar secundário na estrutura da organização durante o processo de organização das famílias para uma ocupação de terras, ela também desempenhará papéis secundários na fase do acampamento e não haverá mulheres para formar a coordenação no assentamento. Logo, adverte Petras que

Se a mulher não estiver presente no comitê de negociações, suas necessidades não terão voz. Voltarão às casas, às tradições anteriores de opressão. Os homens dizem ‘ganhamos a luta’ mas ele está no comitê e ela na cozinha! Por isso, no momento de negociação é importante sua presença, pois vai transmitir o conteúdo de suas reivindicações para a transformação pós-revolucionária ou pós-ocupação de terras (1998:14).

Ao discutir os espaços masculinos e femininos na construção desse novo modo de vida - os assentamentos - Ferrante traz à tona a tímida participação das mulheres nos espaços de discussão, de deliberação, de decisões políticas, pois em “reuniões e assembléias as mulheres se colocam próximo às portas, como se de fato estivessem prestes a sair de um espaço que não é o seu” (1998: 267). Na mesma linha, a partir do próprio relato dos assentados, constata-se que, quando a mulher participa de espaços onde exerce a liderança no assentamento, estes, geralmente, estão ligados à educação e à saúde, vistos historicamente como espaços femininos. Mesmo nestes espaços, a mulher assentada ainda encontra dificuldades em participar, principalmente quando ela precisa se ausentar de sua casa para viajar, participar de cursos de formação, de atividades organizativas, e até mesmo da educação de jovens e adultos no próprio assentamento, pois, muitas vezes, ela acaba sendo ou mal-falada ou vista como alguém que não cumpre com suas obrigações. Muitas mulheres não participam da alfabetização de jovens e adultos porque precisam fazer o jantar para o marido ou até porque o marido não a deixa participar.

No desenvolvimento de um projeto de extensão em assentamentos no período de 1997 a 2001, intitulado Exercitando a cidadania no campo: um olhar e um compromisso multidisciplinar em área de ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, durante os encontros com a comunidade, o almoço coletivo ficava ainda sob a responsabilidade das mulheres, inviabilizando a sua participação nas discussões, nas decisões e no planejamento da comunidade. Algumas vezes os homens contribuíam na lavagem das louças ou cada membro lavava o próprio prato, uma prática comum nos encontros de formação do MST, nas marchas, nas ocupações de terras. Numa das ações planejadas e realizadas junto com as trabalhadoras e os trabalhadores assentados desta comunidade, foi organizada uma horta comunitária. A plantação desta horta foi sufocada pelo próprio capim, sendo reativada somente quando o grupo das mulheres assumiu para si esta tarefa. O cultivo da horta é visto como papel feminino, por se tratar de produção para a subsistência. Neste contexto, o trabalho da mulher camponesa não é considerado como trabalho e o seu produto, que contribui para a subsistência, não é contabilizado como produção. Segundo Nobre e Silva, o cultivo da horta, a criação de animais, o trabalho na roça e a produção do artesanato - trabalhos que produzem mercadorias cuja venda contribui para o sustento da família - estão embutidos no que é chamado cuidar da casa (1998:29).

Para Ferrante, mesmo nos assentamentos, “a participação das mulheres nas diferentes estratégias de formação de renda convive com a reprodução de desigualdades e exclusões no âmbito das decisões” (1998:274). A autora afirma, no entanto, que as atribuições masculinas e femininas não têm fronteiras rígidas em todos os momentos da vida dos assentamentos, tendo em vista que ocorre uma relativa colaboração entre homens e mulheres na definição do futuro do lote. O próprio fato de as agências externas exigirem, atualmente, a assinatura do casal para a liberação de recursos para viabilizar a produção e organização do assentamento tem contribuído para este planejamento conjunto. Contudo, o cumprimento desta exigência não significa que a mulher tenha efetivamente poder de decisão, pois a última palavra é geralmente do homem, como elas mesmas denunciam.

Conclusão

O aprendizado coletivo da luta pela terra já tem contribuído significativamente para a reconstrução dos papéis de gênero, pois mulheres e homens participam conjuntamente de um processo que trouxe significativas mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais que se refletem na recriação do novo espaço - a terra conquistada. No entanto, fora do momento de luta a mulher ainda continua sendo excluída das instâncias decisórias, principalmente em espaços vistos como masculinos, como a produção e a organização do assentamento.

Ainda há muito que construir, há muito que conquistar na luta pela humanização de mulheres e homens. Assim se expressa Freire sobre este processo:

A humanização e a desumanização, dentro da história, num contexto real, concreto, objetivo, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão. Mas se ambas são possibilidades, só a primeira nos parece ser o que chamamos de vocação dos homens. (...) A desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do SER MAIS” (1987: 30).

A luta passa pela conquista da terra, da moradia, da educação, da saúde, mas passa, também, pela reconstrução das relações de gênero na família, na escola, no trabalho, nas lutas sociais e no próprio assentamento. Para a mulher Sem Terra, portanto, coloca-se um grande desafio: assumir sua tarefa histórica como sujeito social que entra em cena ocupando, também, o espaço público, participando das instâncias decisórias para construir assim, com suas diferenças enquanto mulher, uma história diferente…

As mulheres são diferentes – “Elas se afirmam por outras palavras, outros gestos” (Perrot, 1988: 212). A mulher tem uma maneira própria de ser, de se representar no mundo. E é este diferente que precisa ser buscado para construirmos uma outra história, uma outra sociedade. “Entre o público e o privado, o político e o pessoal, os homens e as mulheres, as divisões apagam-se e recompõem uma paisagem” (Perrot 1998:2). Esta paisagem é uma construção em movimento, onde mulheres e homens redefinem papéis, reconstroem suas histórias, recriam a cultura, para a qual o aprendizado coletivo da luta pela terra muito já tem contribuído.

Referências Bibliográficas

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FERNANDES, Bernardo M. MST: Formação e Territorialização em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1996.

FERRANTE, Vera L. B. Assentamentos rurais: espaços masculinos/femininos na construção de um novo modo de vida. In: ABRAMO, Laís, e ABREU, Alice R. de P. (Orgs.) Gênero e trabalho na sociologia latino-americana. São Paulo; Rio de Janeiro: ALAST, 1998.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 17 ed. 1987.

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LECHAT, Noelle Maria Paule. A questão de Gênero no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST): estudo de dois assentamentos no Rio Grande do Sul. Ijuí, RS:UNIJUÍ, 1996.

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SCHWENDLER, Sônia Fátima. Da utopia do acampamento à recriação social do assentamento. Dissertação de Mestrado. Santa Maria-RS, 1995 (mimeo).

 

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[i] Pedagoga e professora do Departamento de Planejamento e Administração Escolar da Universidade Federal do Paraná. Mestre em Extensão Rural. Desenvolve atividades de pesquisa e extensão junto ao MST. Atua na coordenação e na assessoria do Projeto de Educação de Jovens e Adultos nos Assentamentos de Reforma Agrária na região Sul do Paraná, vinculado ao PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária). Tem contribuído para a discussão de gênero no processo de formação dos educadores e das educadoras da alfabetização de jovens e adultos nos assentamentos de reforma agrária.

[ii] O Assentamento São Joaquim, situado no Município de Teixeira Soares, no Estado do Paraná, foi criado em agosto de 1998, após onze anos de ocupação. Nele foram assentadas as 96 famílias que ocupavam a área, provenientes da região Sul e Oeste do Estado do Paraná.

[iii] O Assentamento Nova Ramada, situado em Júlio de Castilhos, no Estado do Rio Grande do Sul, foi criado em março de 1989. Nele foram assentadas 100 famílias acampadas, em sua maioria, durante quatro anos na fazenda Annoni, localizada no município de Ronda Alta, Rio Grande do Sul. As 100 famílias eram provenientes da região Noroeste do Rio Grande do Sul.

Data:

novembro de 2002

Recurso ID:

CONSTRUC567

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Última atualização: 07 / 05 / 2016

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