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Deixamos um dia as Gerais (2)
Em direção ao norte
Fornos tentar nossa sorte em outro lugar
Meu pai, minha mãe, meus irmãos,
Tudo o que possuíam
Era o sonho de um taco de terra pra poder plantar
Mamãe lamentando deixava pra trás
mês de Maria, a reza do terço
A coroação, a festa , o leilão
Rasgar outro chão voltar ao começo
Meu pai já ao longe olhava pra serra
Pros pés de café que um dia viu crescer
Num pau-de-arara (3) buscava seu chão
Pois nesse torrão nunca pode ter
A criançada só não reclamava
Porque menino é só festejar
Só lamentava meu irmão mais velho
Pois o canário não deu pra levar
E foi abrindo a porta da gaiola
Pro canarinho então poder voar
Mas como era tão acostumado
Deu um rasante e tornou voltar
Que pena, que pena, que pena
Adeus canário cantador
Adeus brincadeira de roda
Tomara que o sonho da terra
Não marque outra era
Realize agora
Foi nas marcas do cacai (4)
Que o nosso "uai" (5) se perdeu
Foi depois de tanta briga
Que as espiga floresceu
Hoje inté tem cantoria
Festa do mês de Maria
Mas lá das Minas Gerais
A gente nunca esqueceu (falado)
1 O poema descreve uma família de retirantes deixando o estado
de Minas Gerais em direção à região amazônica.
Tradicionalmente, o termo "retirante" é usado no contexto dos
nordestinos que deixam o sertão em direção ao litoral e
ao sul, sobretudo São Paulo, em decorrência de secas prolongadas.
Ele registra, assim, novos fluxos de migração interna decorrentes
não das condições climáticas inóspitas mas
do problema da falta da terra. No poema, os regionalismos do estado de Minas,
notadamente o uai, começam a mesclar-se com os do Norte, como cacai (V.
nota 25). O autor resgata a fala caipira do homem do campo brasileiro.
2 (Gerais) Refere-se a Minas Gerais, um estado central, cujas atividades
predominantes são a agropecuária e a mineração.
Os mineiros são considerados arraigados as suas tradições
culturais e leais aos laços afetivos e de amizade. O passado colonial
do estado deixou fortes marcas de religiosidade na cultura, como se evidencia
na canção.
3 Pau-de-arara: Caminhões cobertos com lonas, com bancadas de
madeiras rústicas que muito incomodavam os passageiros, usados com freqüência
para o transporte dos retirantes do Nordeste. As penosas e desumanas viagens
nos pau-de-arara da Paraíba ou de Pernambuco ao Rio de Janeiro ou São
Paulo duravam em torno de 20 dias. A famosa Feira de São Cristóvão
surgiu como ponto de encontro e despedida dos que se valiam desse meio de transporte.
O termo pau-de-arara é usado nos estados sulinos como referência
pejorativa aos nordestinos. (http://www.feiradesaocristovao.art.br/historia.htm)
4 Cacai: no Norte do Brasil, é um saco que se amarra às
costas para carregar comida quando se vai para a mata.
5 Uai/uai: Um regionalismo sobretudo de Minas Gerais. O uai constitui
uma expressão de surpresa, espanto ou admiração.
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Esta música é do CD
Uma prosa sobre nós
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