As artes plásticas, incluindo a pintura, a escultura, os murais e muitas
outras formas de arte regionais, constituem um campo infinitamente rico de expressão
cultural no MST. Juntamente com o teatro, a música, a literatura e a
arquitetura, elas apresentam um fundamento criativo para uma das principais
linhas de crítica cultural desenvolvida pelo Coletivo de Cultura do Movimento:
a penetração avassaladora e monopolizada da mídia no campo
sufoca algo muito fundamental ao desenvolvimento de indivíduos e comunidades
-- o desejo de criar o belo. Para o MST, a democratização cultural
envolve não só uma diversificação do que se disponibiliza
em termos de consumo,
mas também a democratização dos meios de produção
cultural, para que todos tenham o poder de explorar e desenvolver sua criatividade.
Como diz Ademar Bogo, poeta e teórico do Coletivo de Cultura do MST,
devido ao poder da massificação da cultura pela mídia,
"as pessoas passam a acreditar que tudo já vem pronto e perdemos
a qualidade mais profunda e digna do ser humano: sentir que somos criadores.
Cada um a seu modo somos todos artistas, pintores, poetas, escultores, . . .
por isso precisamos resgatar na juventude e em todas as pessoas esta vontade
de criar, para que aquilo que edificam nossas mãos tenham beleza [i]
Os exemplos de artes plásticas documentados nestas fotos podem ser divididos,
a grosso modo, em dois grupos. O primeiro grupo, inclui pinturas, esculturas
em madeira e esculturas de artistas individuais. A maioria delas são
sem assinatura, ou marcadas apenas com o primeiro nome ou as iniciais, indicando
de alguma forma uma relação bem pessoal, não profissional
do artista com seu trabalho. Estes trabalhos representam a dignidade, a beleza
e as esperanças do Sem Terra, ajudando a re-significar um termo negativo
-- aqueles sem os meios básicos de produção e reprodução
social no campo -- num positivo. Como estes trabalhos expressam, ser Sem Terra
é uma identidade afirmativa para aqueles que se tornaram agentes de seus
próprios sonhos de uma vida melhor e um mundo mais justo. Essas pinturas
e esculturas também utilizam e incorporam outros significados aos símbolos
da história coletiva e das aspirações do MST: ferramentas
como facões, foices e machados; a cerca, como um obstáculo a ser
enfrentado e superado; a bandeira do Movimento; a terra, tanto árida
e dividida com arame farpado quanto exuberante e acomodando uma modesta habitação
humana. Essas obras são espalhadas através dos espaços
territorializados pelo MST, por exemplo, os escritórios estaduais e nacionais
do Movimento, os mercados dos fazendeiros, onde os ativistas assentados levam
sua produção cultural, e a Loja da Reforma Agrária em São
Paulo.
O segundo grupo de obras inclui grandes murais. O muralismo se tornou um elemento
importante nos congressos estaduais e nacionais do MST. Coordenados por artistas
experientes de organizações como o Movimento de Artistas da Caminhada,
trabalhando por solidariedade com os ativistas do MST, os murais são
concebidos e pintados coletivamente. Temas importantes que definem um determinado
congresso são desenvolvidos de forma alegórica nos murais, que
também se apóiam e reforçam os símbolos do MST.
Em um dos murais, um grupo de mãos ergue um pão acima das ruínas
de cercas de arame farpado e revólveres. Num outro mural, celebrando
o congresso em que culminou a longa marcha para Brasília, pés
incontáveis se afastam do desespero nas margens do quadro e se movem
em direção à esperança representada no centro pela
abundância das colheitas; um bebê sadio é segurado por três
mãos, com cores de pele
representando as etnias africana, européia e indígena do Brasil.
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